ARTIGO 222

Observatório, 08.maio.2002

Capital estrangeiro nas empresas de comunicação

Paulo Rebêlo (*)

Como todos esperavam, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou (em 10/4/02) a redação da proposta de emenda constitucional que permite a entrada de capital estrangeiro nas empresas brasileiras de comunicação. A entrada fica limitada em máximo de 30% do capital votante. Oficialmente.

Com a aprovação, pessoas jurídicas agora podem ser acionárias majoritárias ou donas de empresas de radiodifusão, televisão e impressos, com acesso ao mercado de capitais. A medida visa ajudar a organização e, principalmente, a captação de empréstimos. A linha editorial das empresas se mantém como definido na Constituição Brasileira: de responsabilidade exclusiva de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos. Oficialmente.

De acordo com o senador Romeu Tuma (PFL-SP), atual relator da proposta, um acordo com as lideranças do Senado pode dar caráter de urgência ao projeto, pois ainda precisa ser aprovado em dois turnos pelo Plenário da Casa – ninguém espera que não seja. Será a aprovação definitiva, provavelmente em até um mês. A estimativa é de que, ainda neste primeiro semestre, o capital estrangeiro já esteja circulando (oficialmente, agora) nas empresas de comunicação.

As demissões de profissionais qualificados, o fechamento de revistas, a escassez de conteúdo qualitativo em jornais e tantas outras mazelas do gênero são apenas alguns fatos que revelam a situação atual do setor. Há pressão do chamado “risco Brasil”, isto é, a desvalorização cambial e a retração econômica aliadas ao decréscimo do consumo por parte da população – o que caracteriza a recessão propriamente dita, em economês rasteiro.

O risco Brasil influi diretamente em jornais, revistas, emissoras e estações, todas de joelhos aos artefatos importados. Quem é do ramo, sente na pele. Quem não é, pode acompanhar pelo noticiário a derrocada das empresas de mídia no Brasil, endividadas em dólar até o pescoço e se debruçando sobre o versado paternalismo governamental brasileiro. O polêmico aumento acionário do BNDES para a Globo Cabo é apenas um dos exemplos mais crassos. “O importante é a comunicação de massa”, disse o presidente da República, na época.

Talvez a “massa” em questão pareça acreditar – ou dar a entender que acreditam – na eventualidade de o capital estrangeiro ser a arca de Noé da mídia, o messias salvador da imprensa.

E agora ainda aparece gente dizendo que os Associados (Correio Braziliense, Estado de Minas, Diário de Pernambuco e outros, além de redes de TV e rádio) estão à venda por R$ 500 milhões para o grupo RBS.

Não é difícil encontrar profissionais da comunicação, eventualmente em mesa de bar, pregando que haverá uma nova avalanche de (re)contratações e abertura de novas vagas com a entrada do capital estrangeiro. É uma ilusão gostosa de imaginar; sobretudo após algumas cervejas, quando os preceitos básicos da economia atual são esquecidos.

Almoço grátis

São 30% que valem muito. Nada impede que, em um futuro próximo, a porcentagem não aumente por medida provisória ou inclusão de um novo parágrafo excepcional. Aos esquecidos, vale lembrar: no projeto original, não constava o parágrafo que restringe aos brasileiros a definição da grade de programação nas emissoras. Só foi incluído depois, após protesto – “parágrafo inócuo”, podem pensar alguns. Pelo menos está lá, para quem quiser ler e depois não reclamar.

Por enquanto, são 30%. Haverá recursos eficientes, na prática, para fiscalizar o limite dos 30% em investimentos e, por conseguinte, a intervenção externa? Mesmo com a inclusão do parágrafo que limita a sugestão de conteúdo, sabe-se que na prática a história pode ser bem diferente da teoria. E no Brasil, geralmente teoria e prática não batem.

Um dos parágrafos inclusos na emenda, por exemplo, garante que as empresas com participação estrangeira devem seguir os princípios contidos no artigo 221 da Constituição: a exigência de prioridade das emissoras na produção de programas educativos, artísticos, culturais e informativos. Então significa que agora vão abandonar a medição do Ibope na hora de produzir novos programas como Casa dos Artistas e Big Brother? Claro, claro…

A crise é crescente, com ou sem capital estrangeiro. Chega a ser cômico imaginar a posição de empresas menores, achando que, com a aprovação da medida, elas receberão de cara um investimento externo para saldar as dívidas e contratar pessoal, assim de graça. Recebe quem já tem engatilhado. Quem não tem, deve sempre lembrar do axioma econômico: não existe almoço grátis.

No entanto, existe a tal da política…

Conselho de amigo

Deverá ser implantado o Conselho de Comunicação Social, cujos objetivos ainda são pouco definidos. Será formado por parlamentares, artistas e entidades patronais, para representar o Congresso frente às empresas de comunicação e debater a programação das TVs brasileiras.

Debater é um verbo com mil e um significados.

Hoje, cerca de 70% das estações de rádio e 25% das de televisão são controladas por políticos. Não são aglomerados gigantescos e, por conseguinte, não possuem a mesma credibilidade e chamariz de atrair investimentos estrangeiros, o que torna a atuação do Conselho ainda mais urgente de acompanhamento. Afinal, haverá “parlamentares, artistas e entidades patronais”.

Quem serão essas pessoas? Serão isentas ou estarão ali só para constar? É claro que ninguém está pensando em julgar como uma ação entre amigos. Ou está?

(*) www.rebelo.org