Mulheres de 30

Paulo Rebêlo // setembro.2001

E não é que a Globo inventou de reprisar a bendita Presença que Irrita? Agora que Anita voltou, é hora de tentar explicar o porquê de Nabokov e Balzac estarem se remexendo em suas respectivas tumbas sagradas. A púbere conseguiu o que centenas de pseudo-intelectuais tentaram, sem sucesso até hoje: escamotear duas primorosas obras sobre mulheres em lados distintos da escala evolutiva.

Outro dia a Dona Rebêlona (vulgo, senhora minha mãe) me telefonou: “tem algum filme muito violento passando tarde da noite na televisão?”. Não sei, mãe… quase só vejo TV às terças-feiras, o Casseta & Planeta, quando lembro de ligar o aparelho decorativo. Dona Rebêlona queria entender o porquê de Seu Rebelão sempre trocar rapidamente de canal quando ela chegava na sala à noite…

Como é que uma pirralha irritante, chata e gasguita consegue fazer o Brasil todo acordar de olheiras? Tudo bem que a ninfeta seja bonita, com um corpinho quase perfeito, uma pele de veludo etc e tal, enfim, um verdadeiro viagra humano; mas haja santa paciência. É um pecado, com o perdão da antítese, produzir um seriado desses sem quase nenhuma cena sensual com a aquela deusa súpera e inigualável da Helena Ranaldi e aquela outra, igualmente linda e suprema, da Carolina Kasting.

Balzac, se vivo, certamente cometeria suicídio – eu quase o fiz – ao ver os ícones balzaquianos em formas escanifradas, sem a menor postura sexy diante de uma ninfeta maçante e que é um porre. O próprio Vladimir Nabokov, que idealizou toda a celeuma fantasiosa das lolitas, compartilharia do nosso suicídio coletivo. Afinal, a Lolita nabokoviana não era uma mulher feita, sensual e desbocada de 19 anos, enxerida e cheia de moral. Ela tinha uns 14 anos e nem sabia o que era aquilo que Anita e o macacão-caipora fazem debaixo dos lençóis.

Honoré de Balzac idealizou um símbolo feminino que, para ele (e para os fiéis súditos, como o signatário desta coluna) representa a supremacia da mulher que, entre 30 e 40 anos de idade, atinge o que viria a ser o ápice do determinismo feminino, o cume da presença feminina. Enfim, o apogeu de si própria, o supra-sumo da feminilidade, o equinócio hormonal entre beleza, vivência e independência.

O companheiro Honoré não fazia idéia de que, anos após sua morte, a ciência contemporânea comprovaria que ele nunca esteve tão correto em suas nuanças pensantes sobre as mulheres.

Cientificamente falando, é fato que o homem atinge o ápice hormonal entre os 16 e 21 anos, enquanto que o equivalente feminino só ocorre por volta dos 29 anos. Duvidam? Podem perguntar a qualquer médico especializado ou escrevam para qualquer dessas revistas femininas. Garantia ISO 6969 de informação.

A mulher balzaquiana, na visão do nosso ilustríssimo Honoré & Súditos, não precisa mais enfrentar os atormentos, inseguranças, dependências e os impulsivismos típicos da juventude. Ou seja, exatamente tudo o que os personagens de Helena Ranaldi e Carolina Kasting deveriam ser e não são. Ambas criaram duas balzaquianas fora de qualquer contexto
de bom gosto, que só fazem chorar, chorar, chorar e se lamentar.

Fizeram de Anita e das balzacas o que elas não são. É feito matemática: não tem argumento, apenas *é* por definição. A
balzaquiana do companheiro Honoré consegue reunir, em escala proporcional, beleza e experiência maduras, opiniões centradas e, agora vai um acréscimo meu, consegue manter um caso extraconjugal sem a pretensão de desmanchar o casamento de ninguém – convenhamos, é um requisito essencial depois que Anita resolveu querer ser a dona do pedaço, a rainha da cocada preta.

O fato é que a insossa da Anita roubou a cena e entregou a Nabokov um prêmio não merecido, pois de Lolita aquela ninfeta pegajosa, porém “boa”, não tem é nada. Ela é apenas o antônimo explícito das balzaquianas, as quais agora lamentam por terem sido representadas de forma medíocre pela muito bem vestida, no sentido têxtil e quantitativo da palavra, Lúcia (Helena) Ranaldi.

A impressão que fica é que Anita vai fazer com que as ninfetas fiquem ainda mais chatas e gasguitas. Como tudo na televisão, Presença de Anita pode virar moda e servir de exemplo entre essas nossas adolescentes da geração McDonald’s, visto que agora toda púbere vai querer mostrar o “estilo Anita de seduzir” e na hora agá vão puxar o carro.

Gente, se é para ficar até altas madrugadas e acordar de olheiras para ir trabalhar, que coloquem na televisão ao menos umas mulheres de verdade! O mundo é dessas mulheres de 30.

Ou não. Certo deve estar meu avô quando diz: “mulher boa é mulher de 60, que são duas de 30 em uma só!”

Eu hei de acreditar no véio. Até porque ultimamente é só o que tem aparecido na presença do baixinho. E viva Balzac em dobro. Amém.