Conversa de bêbado

na visão de um socialmente sóbrio

Paulo Rebêlo // junho.2000

Você certamente já ouviu a expressão “conversa de bêbado”. Afinal de contas, o que diachos viria a ser uma conversa de bêbado? Dizem que poderia ser qualquer gênero de conversa, partindo da premissa em que os interlocutores estejam embriagados, a ponto de ninguém poder acender um fósforo por perto. Ou, simplesmente, qualquer diálogo sem “pé nem cabeça”.

Seria difícil pedir a um bêbado a definição sobre sua própria conversa. Até mesmo porque bêbado não é bêbado: ele bebe socialmente, como todo mundo. Talvez seja essa a causa que faça os avinhados socializarem melhor do que quem não bebe. Em minhas momentâneas passagens sóbrias, passei a acreditar que o bêbado integra uma das facções menos anti-sociais existentes. Ou mais socializáveis, como queira.


Dizem que bêbado quando está bêbado, nem parece bêbado. Parece fantoche. Tenta falar mais baixo para não espantar, tenta andar sem titubear, tenta não dormir, tenta manter concatenadas as idéias, tenta não revirar os olhos, tenta manter o passo, ou tenta ficar calado para não falar besteira – só não deixa o copo muito longe da garrafa para não pagar o mico de tentar virá-lo estando vazio.

Dizem que quando tenta falar mais baixo, todos notam e às vezes ninguém ouve o que ele tem a dizer. A evidência do pinguço torna-se clara. Imaginem todos bebendo, em uma mesa de bar, falando sobre assuntos diversos, de repente vem aquele gaiato falando mais baixo do que o normal. Se ficar calado, pior ainda. Todos falando, de repente um cara calado lá no canto. “Já está mamado!” – todos pensam.

Ouvi dizer que quando o caneiro se levanta para “puxar o carro”, tenta andar como uma pessoa sóbria, sem cambalear muito… e termina atraindo as atenções do bar. Parece um molambo. Para não perder o passo, puxa o joelho mais para cima do que o normal, assemelhando-se a um militar em marcha. Para não perder o rumo, tenta traçar uma linha reta no chão e não percebe que, a fim de seguir a dita cuja, é preciso ficar olhando atentamente para baixo, dando a impressão (só a impressão…) de que está tentando disfarçar um pouco o nível etílico no sangue.

Comentam por aí que o chumbeado também gosta de (tentar) manter as idéias concatenadas. Se temas como física nuclear avançada ou moléculas subatômicas envoltas no magma terrestre vierem à tona, ele já leu alguma coisa a respeito e consegue até mesmo explicar em “linguagem acessível para leigos”. Simultaneamente, tenta não mudar muito a posição de seus olhos: alguns abrem demais; outros tentam manter os olhos um pouco mais fechados, tudo para tentar parecer sóbrio. Deixa a impressão (só a impressão…) de que está tão mamado a ponto de dormir em pé.

Entretanto, mesmo à frente de pseudodisfarces, nenhum deles é pior do que ver o avinhado tentar conversar. Conversa de bêbado é lorota, dizem. É claro que o floreado não vai investir em uma conversa de bêbado, e sim em conversas sérias, concentradas, com caráter social. E é aí que a porca torce o rabo.

Parte II

Dizem que conversas de bar podem ser perenes ou temporárias, assim como aqueles rios famosos que nos ensinaram no primário. As perenes, todos sabemos, não mudam nunca: política, futebol e mulher. As temporárias, variam de acordo com o tempo, os eventos regionais, os acontecimentos inusitados.

Apenas um fato é certo: os papos são iguais, ali no barzinho da esquina, na Birmânia ou em qualquer outro lugar onde haja um copo cheio. Pinguço que se preze, repete as mesmas histórias, sempre com um detalhe a mais que antes não fora exposto.

Na política, todo mundo é contra o FHC, e é um fora FHC pra cá e um fora FHC pra lá, que só fica faltando um boné vermelho. Por outro lado, ninguém é de esquerda, pois a esquerda é revolucionária, não tem idéias concretas, é barulhenta e socialista. Mas ninguém é de direita também, pois de direita é ser governista.

Por uma incrível coincidência (dizem que elas existem) todos são de centro, isto é, adotaram a “terceira via” como ideologia política. Coincidentemente, não dá tempo de alguém tentar explicar o que é a tão idolatrada terceira via, ou como ela funciona, antes que o resultado do jogo de ontem venha à tona. E na próxima saída também não dará tempo, mas que azar!

No futebol, diversas variantes podem influenciar no papo sério e concentrado da mesa. Primeiro, se todos (ou a esmagadora maioria) torcer pelo mesmo time, não há margem sequer para uma discussão acirrada: só planejamentos antecipados sobre onde ir comemorar o título do Campeonato Brasileiro do ano corrente, da Libertadores, da Copa do Brasil, e do Mundial Interclubes. Segundo, se houver o habitual conflito de interesses (leia-se: torcidas), determinada facção irá alegar a seqüência de títulos conquistada há 1500 anos atrás como fator crucial na exímia qualificação de seu time frente aos demais. Alvirrubro, qualquer semelhança é mera coincidência.

Antes dos ânimos pesarem um pouco mais e os caneados saírem resolvendo no braço, passa uma galega bunduda próxima às mesas de onde eles estão. É hora de falar sobre a paixão nacional, a cerveja! Pensando bem, dizem que a paixão nacional é a bunda.

Logo, todas as mulheres passam a ser galinhas e mentirosas e, diferentemente do futebol ou da política, a opinião é unânime, sem margem à dúvidas ou argumentos. Por um motivo que me foge à sóbria razão, o tema ‘mulher’ (em todas as suas facetas) é sempre o último a ser discutido antes de se ir pra casa. Talvez por todos concordarem com todos. É incrível como, mesmo em uma mesa só com mulheres, elas terminam falando menos do Paulo Zulu do que o novo namorado da fulana ou o novo corte de cabelo da sicrana.

Os temas temporários na conversa (de bêbado?) variam com a época. Pode ser o aumento dos preços do ingresso para o cinema, o estacionamento do shopping, o novo restaurante que abriu, a última fofoca publicada na revista Caras (a revista cuja leitura todo mundo diz só fazer no consultório médico…), as fotos da nova coelhinha da Playboy, e assim sucessivamente. Dizem, não posso garantir, que são conversas paralelas geralmente utilizadas para preencher a lacuna de silêncio entre os temas planetariamente permanentes, isto é, política, futebol e mulheres… dos outros.

Com tudo isso, ainda me disseram que há uma raça de biritados pior ainda: é o bêbado que escreve. Esse sim, é um condenado, um tinhoso, um carcará. Tem aquele que, cheio de álcool, pega o guardanapo e começa a tecer poesias. Tão logo os outros pinguços percebem, ele é taxado de frutinha e logo desiste, voltando aos sérios debates da mesa. Escrever poesia em guardanapo, cheio de cana, até vai; mas ler em voz alta e perguntar o que “acharam”, simplesmente não dá! Quer desconto, vai fazer um 69.

Tem o outro tipo de bêbado-literata que, além de tudo, é chato pra baralho no dia seguinte. E nos outros dias também. É daqueles que no day after escreve umas besteiras contando o que aconteceu na noite passada, só para dizer que não estava bêbado e ainda lembra de tudinho, em detalhes. Ninguém sabe ao certo o porquê, mas essa facção pseudoliterária gosta de chamar essas besteiras-escritas de “crônicas”, enquanto o resto das pessoas chama de alucinações movidas pelo álcool.

Dizem que eu não bebo muito. Eu acredito. Mas dizem também que eu sou chato na mesa de bar (e em todos os outros lugares), pois quase não falo, meus olhos meio fechados dão a impressão de que não estou gostando da conversa e já estou com sono, e quando vou pra casa saio andando com um jeito engraçado.

Bem, mas isso aí eu não acredito. É conversa de bêbado.