Pinheirinho e os eleitores cordiais

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco | 20.abr.2012 | link | email

Três meses depois, o assunto desapareceu do noticiário. Mesmo assim, ainda hoje encontramos grupos de direitos humanos discutindo a desocupação das famílias em Pinheirinho pela polícia de São Paulo.

De carona na discussão, há uma dúvida recorrente e de amplitude nacional: será que todas as pessoas que ficaram escandalizadas e foram às ruas e às redes sociais para protestar irão, mais uma vez, colocar no poder os mesmos responsáveis por aquela injustificável truculência com as famílias desabrigadas?

Há centenas de Pinheirinhos, todos os dias, em todo o Brasil. Estão na falta de livros e professores nas escolas, no sucateamento dos hospitais públicos, na ausência de saneamento básico, segurança pública, infraestrutura e dignidade. Também protestamos contra tudo isso, é verdade. Curiosamente, meses depois colocamos no poder os mesmos responsáveis pelos mesmíssimos Pinheirinhos.

A história política do Brasil nos comprova que somos frutos de gerações inteiras de eleitores bem cordiais. Com muita fé na humanidade e também nas promessas de campanhas que, vejamos bem, são exatamente iguais de norte a sul.

Nas ruas e na internet, todos conclamam que os governantes deveriam ter vergonha do que aconteceu em Pinheirinho. Que deveriam ter vergonha do 14º e 15º salário que só eles recebem. E tantos outros escândalos e mordomias. Não sei se eles têm vergonha. Mas, aparentemente, nós também não temos. Porque ajudamos a perpetuar no poder determinados clãs seculares de usurpadores.

É inócuo e pueril apontar o dedo contra partido A, B ou C. Para o cidadão, partidos só se diferenciam durante a campanha eleitoral e por causa das cores diferentes da bandeirinha no meio da rua. Para os candidatos, hoje em dia nem isso.

Ao exercer um mandato, o governante ou parlamentar transforma-se em uma unidade do poder público, independentemente de ser filiado ao partido X ou Y. E como poder público, esse coletivo é responsável direto pelos nossos Pinheirinhos de cada dia. Mas quem é responsável por eles?

Somos responsáveis duas vezes: pelo voto e pelo silêncio. Para o poder público, as famílias de Pinheirinho talvez representem apenas números na planilha. Para o eleitor, a conta é mais simples. São três números executivos: prefeito, governador, presidente. E quatro números legislativos: vereador, deputado estadual, deputado federal e senador. Em intervalos fixos e que, ironicamente, o governo não nos deixa esquecer com o horário eleitoral “gratuito” na televisão e a obrigatoriedade do voto.

Se nossos pais e avós tivessem a memória que nós aparentemente também não temos, talvez os usurpadores não estivessem há gerações e gerações fazendo o que sabem fazer de melhor: trabalhando em benefício das famílias… deles.

Então continuemos a votar nos mesmos políticos que até nossas vovós com Alzheimer ainda recordam. Se as gerações passam e eles permanecem, talvez não seja culpa nossa, mas do inconsciente coletivo: gostaríamos de estar lá no lugar deles. Para fazer exatamente a mesma coisa.

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