Brás Cubas provoca polêmica até em quadrinhos

Obra clássica de Machado de Assis é vertida de 176 páginas para uma adaptação apressada de 40 páginas ilustradas

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco
29.março.2009

A obra em si mesma é tudo, resume o defunto Brás Cubas. É uma desnecessária tentativa em explicar o motivo de relatar, diretamente do além, suas memórias póstumas – sem cortes e sem pudores.

Ao lançar a adaptação em quadrinhos do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, a editora Escala Educacional não imaginava que um dos personagens mais interessantes da literatura brasileira continuaria a causar polêmica no além-vida, tantos anos depois. Espanto similar ao causado entre críticos literários em 1880, quando esta obra clássica de Machado de Assis foi publicada no formato de folhetim, em capítulos, ganhando corpo de livro no ano seguinte.

Título mais recente da coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos, o gibi de Brás Cubas resume as 176 páginas de Machado de Assis em uma adaptação apressada de 40 páginas ilustradas. E desencadeou discussão polêmica, embora saudável, sobre os limites de “popularizar” a literatura brasileira em quadrinhos, uma tentativa declarada (e talvez justa) de atrair adolescentes que, supostamente, perderam interesse nos originais.

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Na internet, ainda antes do lançamento oficial pela editora Escala, em março, a polêmica acendeu-se com uma entrevista do ilustrador do gibi, Sebastião Seabra, também responsável pela roteirização de Brás Cubas em quadrinhos. Ao comentar sobre o gibi, o próprio Seabra admite ter sido um de seus maiores erros. “Primeiro porque não se paga por um trabalho desses aqui no Brasil. Segundo porque foi lamentável socar 176 páginas de textos excepcionais em 40 páginas de gibi. A síntese exagerada acaba com o sabor, o encanto e o brilho de um escrito deste nível, danifica todo o significado”, admitiu.

O mais curioso, contudo, é que a adaptação de Brás Cubas – justamente um dos melhores personagens – não é a regra. Seabra garante que os outros títulos da coleção não sofreram tanto assim. Confessando-se ainda desconfiado com o projeto, ele explica que os outros títulos “eram contos e foram publicados em forma de quadrinhos, mas integralmente”. O exemplar de O triste fim de Policarpo Quaresma, por exemplo, tem 64 páginas e as ilustrações são assinadas por Francisco Vilachã, ele mesmo criador da idéia de lançar obras adaptadas em quadrinhos, anos atrás.

Falando pela editora, Vilachã reforça a tese de Seabra que as adaptações são boas. “Nos oito primeiros títulos, adaptamos contos de dez páginas (em média) para 40 páginas de quadrinhos. O resultado é um gibi cuja linguagem visual é muito bem explorada. Somente a partir da adaptação de O Alienista (uma novela), tendo que resumir parte do texto, algumas páginas ficaram bastante poluídas. Mas não acredito que a obra tenha comprometido a narrativa como um todo”, explica. “Toda a adaptação é passível de críticas, pertinentes ou não. Por essas e outras, a coleção recomenda a leitura da obra na forma original”, defende Vilachã.

Felipe Meyer, gerente de planejamento da Nunklaki e editor do site Nanquim – onde a entrevista de Seabra foi publicada originalmente – lamenta os erros cometidos pela editora. “Eles têm feito um trabalho muito bom na adaptação, mas até onde sei o Machado de Assis nunca foi roteirista de quadrinhos. Na obra original, não há um delineamento de enquadramentos, ângulos, nem tampouco se trata de uma adaptação literal e completa do texto original”, reclama, sobre a omissão do nome dos ilustradores nas capas dos gibis publicados pela Escala. “Se as próprias editoras, na hora de divulgar seus lançamentos, tratam seus autores com esse desdém… qual a esperança de que o público vá respeitar o meio dos quadrinhos ou a profissão de quadrinista?”, questiona.

Sebastião Seabra recorda ter sido obrigado a cortar fatos e personagens para que coubesse em 40 páginas. “Claro que quase nada saiu como eu desejaria no gibi de Brás Cubas, mas… nosso mercado de quadrinhos não é sério. As vendas são tão ridículas que não dá mais para se iludir”, lamenta, ao mesmo tempo em que elogia a qualidade da produção e impressão do projeto da editora Escala. “O pessoal [da Escala] é muito gentil, me tratam muito bem e respeitam meu trabalho”, atenua Seabra.

De acordo com Felipe Meyer, uma das principais motivações (ou a única motivação) para as editoras investirem no segmento é o Plano Nacional Biblioteca na Escola, pois o governo tem dado bastante atenção aos quadrinhos. “A esperança das editoras é que a tiragem seja comprada pelo governo”, resume. Meyer refere-se ao Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do Ministério da Educação, pelo qual as editoras estão de olho na grande tiragem de histórias em quadrinhos, distribuídos gratuitamente para cerca de 50 mil escolas públicas de ensino fundamental.

A coleção da Escala tem uma peculiaridade: não há preço estampado na capa. O leitor encontra apenas nas escolas selecionadas ou precisa comprar pela internet, em sites de livrarias ou no da editora, ao preço de R$ 19,90 por exemplar.