O outro lado da América

ELEIÇÕES NOS EUA // Para analista político Thomas Schaller, parte latina do continente continuará em baixa com o novo presidente

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 18.maio.2008

Com o nome praticamente definido como o candidato democrata à presidência dos Estados Unidos para as eleições gerais de novembro, Barack Obama ganha ainda mais popularidade mundo afora, mas seu programa de governo é incipiente ao tratar de política externa. Analistas internacionais ouvidos pelo Diario são unânimes ao afirmar: quem quer que seja o futuro presidente norte-americano, pouco ou nada mudará o tratamento aos países do hemisfério sul. Pior, nenhum dos candidatos apresenta altivez em questões que ultrapassem o seu território.

O alicerce de política externa inclui sobretudo fatores econômicos (impostos, taxações…) e diplomáticos (vistos, imigrantes, acordos…), desde o embargo a Cuba e a instabilidade com a Venezuela do presidente Hugo Chávez, até os limites de importação e taxação do etanol brasileiro. O analista Thomas Schaller, professor de ciência política na Universidade de Maryland (EUA), é ainda mais enfático ao afirmar que o interesse dos candidatos norte-americanos é “zero” quando o assunto é América Latina.

Schaller esteve na capital pernambucana na última quarta-feira, a convite do Consulado dos Estados Unidos no Recife, para falar sobre as eleições norte-americanas e de como Barack Obama galgou seu espaço com o eleitorado e com os superdelegados nas eleições primárias. A “demarcação de território” de Obama hoje é tão forte que não deixa dúvidas quanto à postulação do seu nome à presidência, segundo Schaller. Desfecho reconhecido, extra-oficialmente, até mesmo pela concorrente democrata Hillary Clinton, esposa do ex-presidente Bill Clinton e senadora pelo Estado de Nova York.

Barack Obama, 46 anos, nascido no Havaí e formado em direito pela Universidade de Harvard, é um candidato peculiar. Negro e de ascendência muçulmana, é filho de pai queniano (África) e mãe norte-americana (Kansas). Batido o martelo sobre sua postulação às eleições de novembro, seu adversário será o republicano John McCain, senador de 71 anos, da ala conservadora do país, veterano de guerra e um dos políticos mais conhecidos dos Estados Unidos.

Schaller considera que Obama será o candidato democrata à sucessão de Bush. com ele, o Brasil teria mais chances do que com o republicano Mccain

As chances de McCain, contudo, são dúbias. “Ele representa o que há de mais conservador atualmente”, explica Thomas Schaller. Contudo, o analista lembra que a maior parte do eleitorado do atual presidente George W. Bush apresenta uma tendência a seguir McCain. Não causa espanto, considerando que, não obstante a ojeriza internacional a Bush, ele ainda possui um vasto apoio interno, seja pelo conservadorismo ou até mesmo pelas temáticas religiosas.

Em 2000, John McCain também colocou seu nome nas primárias dos republicanos, mas o escolhido foi George W. Bush, que concorreu com o então vice-presidente Al Gore. Na disputa, Gore teve mais votos na contagem total de eleitores, mas não ganhou o pleito por conta do sistema eleitoral norte-americano, bem diferente do brasileiro. “Nem os próprios americanos entendem como funciona nosso sistema de contagem, neste ponto vocês [brasileiros] estão bem mais avançados do que nós”, ironiza Schaller.

Dragão – O analista político Sidney Ferreira Leite, professor da Trevisan Escola de Negócios, reforça a opinião de Schaller em relação ao descaso dos candidatos à América do Sul. Com a propriedade de ter analisado o programa de governo de Barack Obama, Hillary Clinton e John McCain (o candidato do Partido Republicano), Leite reconhece o exíguo espaço dado ao hemisfério, ao mesmo tempo em que a China recebe uma exagerada importância, quase temerosa. “Há um medo generalizado que o crescimento chinês coloque em xeque a hegemonia norte-americana, tanto na política quanto na economia”, esclarece Leite.

De minoria para fenômeno de voto

Um outro consenso sobre Barack Obama é a competência de sua equipe de assessores políticos. Não à toa, é considerado o candidato que melhor utiliza as novas tecnologias a seu favor, como blogs, sites de relacionamento (Orkut, Facebook, Myspace…), mensagens curtas de texto (SMS), publicidade online e outras firulas informáticas. Somente na arrecadação voluntária – contribuição financeira – pela internet, Obama já bateu o recorde norte-americano. Foram US$ 250 milhões até agora, contra US$ 200 milhões recebidos voluntariamente por Hillary Clinton e quase US$ 100 milhões de McCain.

Tanta compaixão entre os norte-americanos, sobretudo aqueles que representam minorias, pode não ser suficiente para conquistar o posto mais cobiçado do planeta. O analista Sidney Ferreira Leite, da Escola Trevisan de Negócios, costuma dizer que nada contra a maré ao dizer que, numa disputa entre Obama e McCain, o primeiro têm poucas chances de vitória. “Ele não tem o voto da chamada América profunda, aquela que não está na mídia, não faz parte da classe artística e cultural, da classe média”, esclarece.

No caso, Leite se refere a boa parte dos eleitores que colocaram Bush no poder, mas aposta mais na “caixinha de maldades” que será usada pelos republicanos. “Para o Partido Republicano, a saída de Clinton do páreo é um ótimo negócio, porque ela é muito mais preparada e sólida do que Obama, que não tem um programa de governo definido, apenas um programa de idéias”, pontua.

Para o professor da Trevisan, a recente vitória de Clinton nas primárias do estado de Virgínia Ocidental demonstra que a definição do candidato democrata ainda não chegou ao fim. “A decisão está nas mãos dos superdelegados e Obama pode não ser o escolhido agora”, especula. O professor reforça que o discurso de Obama é infalível, conquista corações e mentes, tem um excelente marketing político e pessoal, mas é um candidato sem experiência de governo e que nunca administrou nada. Se qualquer semelhança com Luiz Inácio Lula da Silva é mera coincidência, só o tempo há de dizer.

Partido Democrata // Barack Obama

Negro, de ascendência muçulmana e carregando ‘Hussein’ como nome do meio, poucos sabem que o candidato de 46 anos nasceu no Havaí, em 4 de agosto de 1961. Formou-se em direito pela Universidade de Harvard, o mais conceituado e conhecido instituto de ensino no mundo, onde se tornou o primeiro presidente afro-americano da revista Harvard Law Review. Sua carreira começou a deslanchar quando foi advogado de direitos civis em Chicago, no estado de Illinois. Pelo mesmo estado, foi eleito senador em 2004 e toda sua carreira política no primeiro escalão da vida pública se resume a estes últimos cinco anos. Antes, fora senador estadual por sete anos pelo Estado de Illinois. Barack Obama é filho de um pai negro, do Quênia (África) com uma mãe branca do Kansas (EUA). Ele também estudou ciência política na Universidade de Columbia em Nova York e foi líder comunitário em Chicago. Crítico da guerra do Iraque e da atual política externa dos Estados Unidos, Obama bateu recordes de arrecadaçãovoluntária (contribuições financeiras) pela internet e é considerado o candidato que melhor uso faz das novas tecnologias na campanha.

Partido Republicano // John McCain

Branco, veterano da Guerra do Vietnã e raposa política nos Estados Unidos, o candidato de 71 anos é considerado o típico norte-americano, apesar de não ter nascido exatamente no país. McCain nasceu em 29 de agosto de 1936, no Canal do Panamá, mas seus pais conseguiram cidadania norte-americana logo ao nascer. Conservador e um dos mais fortes aliados do atual presidente George W. Bush, McCain tornou-se mais conhecido a partir de 1987 como senador pelo Estado do Arizona. Sua carreira militar é um dos trunfos em todas suas campanhas políticas, sobretudo com fotos antigas de juventude no front, fruto dos 22 anos servindo à Academia Naval, onde se formou em 1958. McCain não é apenas veterano de guerra, mas passou cinco anos (1967-73) em um campo de prisioneiros em Hanói (Vietnã), depois que o avião que pilotava foi abatido pelos vietcongues. Deixou a Marinha em 1981 e foi eleito para o Congresso no ano seguinte. Em 2000, tentou concorrer à presidência, mas perdeu as primárias paraGeorge W. Bush.

O sistema eleitoral norte-americano

1) A escolha do candidato
– Não existe uma contagem total dos votos. Cada um dos 50 estados (incluindo o Alasca) faz sua apuração independente

– Os partidos escolhem os candidatos em eleições primárias estaduais, que de certa forma se assemelham às convenções partidárias no Brasil

– Os vitoriosos nas primárias são aqueles que conseguem maior número de “delegados”

2) A votação e o colégio eleitoral
– São eleitos indiretamente, ou seja, não é pelo voto direto dos eleitores. O presidente e o vice são escolhidos por um Colégio Eleitoral

– Os delegados do Colégio Eleitoral são obrigados a votar no candidato vitorioso em seus respectivos estados de origem

– Os eleitores de cada estado votam numa lista de delegados comprometidos com uma das chapas de candidatos a presidente e vice-presidente. Esses delegados, em número proporcional à população de cada estado (de acordo com o último censo), formam o Colégio Eleitoral

– O número de delegados por estado corresponde à soma das suas bancadas na Câmara dos Representantes (de 1 a 53 deputados) e no Senado (2 senadores).

– Um candidato pode ter mais votos populares em todo o país, mas não ser eleito se perder nos estados com mais delegados, o que já aconteceu três vezes desde 1787, a última delas na eleição do ano 2000 entre George Bush e Al Gore.

– No total, são 538 delegados. São necessários 270 delegados para vencer a eleição.