O mundo com Obama: o dia seguinte

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco

06.novembro.2008

Luz, câmera… Barack Obama. É assim, no centro das atenções mundiais, que o novo presidente dos Estados Unidos irá passar pelos próximos dois meses. Até a posse em 20 de janeiro, será apenas uma prévia do que está por vir. Com nenhuma experiência administrativa e meteórica carreira política, o principal desafio de Obama é conseguir gerenciar a pressão sobre a principal promessa de campanha: promover a mudança que a América precisa. Não apenas a América, mas a maioria dos países que dificilmente vão deixar de enxergar nos Estados Unidos a imagem de xerife do mundo.

Considerado um candidato pós-racial por nunca ter procurado faturar em cima da cor de sua pele, o desafio que Obama tem pela frente é diretamente proporcional ao feito histórico pelo qual é protagonista. Ser o primeiro presidente negro dos EUA é apenas um adendo, significativo apenas para, talvez, a massa conservadora de John McCain.

Inimigos “mortais” da América admitem simpatia por Obama e apostam, com cautela, em novos diálogos. Nas diretrizes da política externa. Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo Morales, apenas para citar os principais na América Latina, cederam apoio, mesmo que informal. Quem consegue imaginar Chávez chamando-o publicamente de “diabo”, como o fez tantas vezes a George Bush? Se a benevolência continuará, são estes dois meses e os primeiros cem dias a responder.

Primeiros cem dias de governo são cruciais para Obama

Obama e sua equipe sabem que, no hemisfério norte, diferentemente dos países do sul, o discurso de que o primeiro ano de gestão é para “arrumar a casa” não funciona. Os primeiros cem dias de governo são cruciais para o governante ditar, em atos, como será a sua gestão. A arrumação é feita nos dois meses que antecedem a posse. Se Obama conseguir não causar o mesmo impacto de Bush durante seus primeiros cem dias, já terá meio caminho andado aos olhos dos principais líderes mundiais. Apesar da notável simpatia pela figura do presidente eleito, há ceticismo e velada insegurança sobre sua capacidade administrativa e política.

Hoje, olhando para trás, vê-se que George Bush, em seus primeiros cem dias à frente da Casa Branca, submeteu ao Congresso um programa de corte de impostos que beneficiou mais a classe A; estabeleceu sua diretriz religiosa para todas as campanhas de governo; promoveu ataques aéreos no Oriente Médio como “método de pré-defesa” e, hoje se admite publicamente, ignorou os boletins de alerta sobre a Al Qaeda.

Toda a conjuntura política conspira a favor de Obama. Com o resultado proporcional das eleições de terça, os democratas mantiveram a maioria no Senado e na Câmara. Para Obama, uma facilidade extra para aprovar projetos e leis, mesmo as mais polêmicas. O rolo compressor democrata pode se aproveitar até da crise financeira mundial, como carro-chefe para aplicar o polêmico plano econômico.

Mais impostos para ricos, mais emprego e renda para pobres

Podem criticá-lo por inexperiência, mas não por falta de transparência. Ao menos, nas idéias para a economia. As principais diretrizes do plano econômico de Barack Obama, incluindo como ele pretende transformá-las em políticas públicas, podem ser lidas por qualquer pessoa com acesso à internet. Em um dos arquivos disponíveis em seu site oficial, o resumo de seis páginas mostra um panorama daquilo que os republicanos chamaram de “teorias socialistas”.

Meras diferenças culturais. Ao contrário da América Latina, ser chamado de socialista nos Estados Unidos é uma ofensa grave. A palavra “socialismo” é quase um palavrão, pois remete ao comunismo soviético e aos piores momentos da Guerra Fria. Para os padrões latinos, contudo, há uma ponta de verdade no principal alicerce do plano econômico de Obama: o corte de impostos para os mais ricos e a conseqüente redistribuição de riqueza, pela mão do governo, para o restante da sociedade.

Tratou-se do entrave primordial entre os planos econômicos de Obama e de McCain. No país mais capitalista do mundo, onde no passado tiveram origem as teorias neoliberais até hoje em voga, não deixa de surpreender a insinuação de que a “mão pesada” do governo irá usar o aumento de impostos dos ricos para distribuir riqueza e gerar empregos.

Como Obama irá conseguir engrenar seu plano ainda é uma incógnita. Politicamente, é agraciado com a conjuntura de uma maioria democrata no Senado e na Câmara. Ao mesmo tempo, para fazer jus à retórica, os números que Obama tem pela frente são relativamente simples e conhecidos do público. O Exército Americano é responsável por 45% de todo o gasto militar do mundo, beirando os US$ 700 bilhões em 2008; quase 70% do petróleo gasto nos EUA é importado; somente o déficit interno se encontra na faixa de US$ 500 bilhões; o déficit fiscal completo chega a US$ 1 trilhão. É apenas parte do legado que George Bush deixa para Obama.

A dificuldade econômica está nos impostos. O carro-chefe é aumentar as taxas para os americanos e as empresas que faturam acima de US$ 250mil por ano. Pelos cálculos da equipe de Barack Obama, isso representa apenas 2% da população de 300 milhões de habitantes dos Estados Unidos. Com a receita extra, os impostos para os 98% restantes poderiam sofrer um corte. Os dividendos extras seriam investidos na geração de empregos.

A América Latina pede atenção

A partir de 20 de janeiro, quando tomar posse na Casa Branca, os primeiros cem dias de Barack Obama à frente da presidência dos Estados Unidos contarão com ampla abertura – e expectativa – dos países da América Latina. A abertura vem dos inimigos declarados, sobretudo nas vozes de Hugo Chávez, na Venezuela; Evo Morales, na Bolívia; e Rafael Correa, no Equador. E até mesmo dos irmãos Castro, em Cuba. A expectativa, por outro lado, reside nos países aliados da política norte-americana, como Brasil, Argentina e Colômbia. E em menor escala, Peru e Chile.

Sem exceção, todos aguardam uma mudança de postura, mesmo que tímida. Aguardam no escuro, porque nem o fim da eleição foi suficiente para que os projetos de governo joguem luz sobre as pretensões no continente. O descaso com o hemisfério sul foi abordado pelo Diario, em detalhes, na edição de 2 de novembro.

O republicano John McCain, curiosamente, foi quem citou a América Latina mais vezes durante sua campanha. No caso, antecipou-se que não aceitaria qualquer diálogo com Cuba sobre o fim do embargo. Prometeu, também, revisar os subsídios ao etanol brasileiro, de modo a beneficiar mais o produtor americano. E vetou negociações com o Irã, país crítico na “luta ao terrorismo” de Bush.

Barack Obama e seu vice, Joe Biden, até agora não deram muitos sinais sobre quais medidas devem guiar a política externa com a América Latina. E no meio da obscuridade, é o Brasil que desponta como principal líder no continente, seja pelo tamanho da economia, seja pela aproximação histórica (e comercial) com os EUA.

Susan Kaufman Purcell, diretora do Center for Hemispheric Policy na Universidade de Miami, atribui ao Brasil a maior oportunidade para conter as investidas de Hugo Chávez. “Basta que os EUA e o Brasil consigam aumentar os acordos bilaterais e ampliar o leque de parceiros comerciais mútuos. O livre comércio se alia a outros programas para melhorar o desenvolvimento do hemisfério. Não é fácil de atingir, mas o custo de não tentar pode ser bem maior”, opina.

Gabriel Rico, presidente da Câmara Americana de Comércio no Recife (Amcham), acredita que o Brasil deve colocar suas prioridades na agenda norte-americana, não o contrário. “O novo governo terá que se ocupar muito com problemas internos. Para avançar nas relações comerciais, precisaremos saber nos articular”, arrisca. A aproximação entre os dois países também é a aposta de Christopher Del Corso, o novo cônsul dos EUA no Recife.

O senador norter-americano Chris Dodd, uma das principais vozes contrárias sobre a política de Bush para a sul, deixa a sugestão para Obama em carta aberta: “É hora de não olhar para a América Latina como nosso quintal, mas como nossa vizinhança”. E conclui: “Entramos em contradição com nossos próprios princípios de democracia quando demos suporte para o golpe que tentou tirar Chávez do poder à força, em 2002”. (Paulo Rebêlo)