A agenda inadiável dos transportes

DESAFIOS DO PRÓXIMO PREFEITO // Desenvolvimento do Recife emperra na falta de serviços públicos, de mobilidade dos cidadãos e no excesso de veículos privados

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 13.julho.2008

Sol a pino, buzinas, veículos parados, ônibus enfileirados, cruzamento fechado e pedestres que se jogam sobre os carros para chegar ao outro lado da avenida. Não é a Cidade do México, mas apenas um dia qualquer no caótico trânsito do Recife. Em cenário deste porte, é fácil observar a ausência estrutural de transporte: coletivos lotados, calçadas disformes, excesso de veículos particulares em áreas que há muito não suportam a demanda. Por mês, cinco mil novos veículos são cadastrados no município.


O problema não é desconhecido. Além de técnicos e especialistas no setor, todos os candidatos à Prefeitura do Recife garantem verbalmente tratar o assunto como prioridade. A dúvida é: até onde é possível solucionar os problemas? Pior ainda, qual é o tamanho do desafio, para o futuro prefeito, ao se deparar com uma realidade histórica? Se a Avenida Boa Viagem sofre com o excesso de veículos, a periferia pena com a falta de transporte coletivo ou até mesmo a falta completa de ruas para trânsito.

O prejuízo não é apenas social, mas financeiro. Apesar de não haver cálculos seguros sobre a realidade local, nacionalmente são R$ 45 bilhões perdidos, todo ano, com a precariedade do sistema de transportes. Parte dos especialistas consultados pelo Diario é unânime: a exemplo de outras áreas carentes de políticas públicas, o que falta é prioridade política e continuidade aos projetos em curso. “Ninguém pode nos forçar a não comprar veículos, tampouco deixar o carro em casa e muito menos decidir quem pode e quem não pode usá-lo. O que os governantes podem fazer é criar mecanismos para incentivar a população a usar menos o transporte individual. Contudo, sem ações integradas e planejadas com outros setores, nada vai para frente”, sentencia a arquiteta e urbanista Nelly Spencer de Holanda.

As soluções sugeridas por engenheiros, urbanistas e técnicos convergem em pontos comuns e bem conhecidos do poder público: melhorar o transporte coletivo, de modo a incentivar o menor uso de veículos particulares; oferecer infra-estrutura de estacionamento nos pontos críticos da cidade; ampliar os corredores viários e exclusivos para transporte coletivo; flexibilizar o cronograma dos ônibus entre horários de pico e áreas menos favorecidas; oferecer alternativas ao ônibus; calçadas uniformes; priorizar os pedestres e os deficientes físicos.

Outras soluções, contudo, são bem mais polêmicas. É o caso da implementação do pedágio nas áreas centrais da cidade, onde o fluxo intenso de veículos aliado à ausência de vagas de estacionamento torna impraticável o trânsito. O modelo é adotado em outros países e Londres (Inglaterra) é o exemplo mais divulgado. Houve resistência forte no início, mas hoje a maioria da população é a favor da medida. Outra polêmica, em torno da qual o poder público já começa a se movimentar, é o rodízio de placas. O modelo é adotado em São Paulo e estabelece dias alternados para que o dono do veículo possa circular na cidade. Por causa de suas realidades diferentes, inicialmente um rodízio no Recife poderia ser implementado somente em regiões pré-determinadas, segundo os técnicos.

Das restrições aos carros à hidrovia

A integração com os municípios da Região Metropolitana também é considerada um gargalo na infra-estrutura de trânsito do Recife. O engenheiro civil e professor da UFPE, Oswaldo Lima Neto, evita usar o termo “transporte”, adotando “mobilidade” e “acessibilidade” como pontos-chave, envolvendo um planejamento urbano que cuide do ciclista, do pedestre e do condutor. “Restringir o uso do automóvel é um caminho sem volta. Quem retardar mais esta realidade vai perder socialmente, causar um prejuízo financeiro ainda maior”, arrisca.

Lima Neto não teme polêmicas. De suas pranchetas saiu o projeto do Corredor Leste-Oeste (Conde da Boa Vista), um dos atuais calos da gestão municipal frente aos candidatos à prefeito. O projeto foi entregue há mais de cinco anos à prefeitura, que depois fez várias modificações não acompanhadas pelo engenheiro. Com exceção do petista João da Costa (PT), todos os outros candidatos prometem “repensar” ou “revisar” o corredor viário. O democrata Mendonça Filho (DEM), recentemente, frisou que poderia até mesmo desmontar todo o projeto e refazer desde o início.

Sobre a integração com os municípios do entorno, o coordenador-geral da campanha petista, Milton Botler, frisa que um dos pontos em estudo é a criação de um centro metropolitano na zona sul, para dar suporte à consolidação dos investimentos em Suape e gerar um salto na economia local. “Portanto, faz parte de nossa meta criar as condições de mobilidade para criar um pólo de serviços modernos neste momento econômico”, sugere Botler, em resposta às críticas dos concorrentes.

O uso de hidrovias – utilizar os rios para tráfego de carga ou pessoas – é sugestão recorrente nos programas de governo dos candidatos. A prática, porém, é diferente do discurso. Embora seja até três vezes mais barato do que estradas convencionais, menos de 1% dos recursos em transportes, nacionalmente, são voltados para hidrovias – num país com capacidade de navegação fluvial superior à média.

Hora das vias expressas

Os últimos debates entre prefeituráveis e técnicos têm levantado um tema recorrente: os veículos leves sobre trilhos (VLT). Trechos da cidade seriam dotados de malha ferroviária específica para fluxo urbano, bastante utilizada em outros países. As vantagens do VLT são várias: não polui, é silencioso, manutenção mais barata, pode ser automatizado, entre tantas outras. Contudo, há dúvidas sobre a viabilidade da empreitada, que disputa espaço (em investimentos) com a expansão das linhas do metrô.

Os coordenadores de campanha de Edilson Silva (Psol) e de Cadoca (PSC) foram dois que frisaram, ao Diario, a idéia de instalar VLTs: nas áreas periféricas da cidade, onde o transporte público é deficiente; e em vias expressas, de modo a integrar o Recife com municípios próximos, sem prejudicar o trânsito urbano dentro da cidade.

A arquiteta e urbanista Nelly de Holanda também sugere uma opção diferenciada para os VLTs: o uso de trilhos suspensos. “São trilhos acima da altura da vias. Existe uma proposta em discussão, que não é minha, mas acho interessante. Consiste em criar um VLT suspenso passando pelo Canal de Setúbal, desde a Lagoa do Náutico em Jaboatão, passando pelo Shopping Guararapes, pelo Shopping Recife e indo em direção a um terminal na Av. Agamenon Magalhães ou o Shopping Tacaruna”, sugere.

A idéia é ousada. Levantamento recente do governo federal revela que, pelo menos para trechos de distâncias maiores, há apenas três linhas ferroviárias em uso no Brasil. E o uso vem caindo. Em 1996, eram 4,3 milhões de passageiros por ano. Em 2005, o número caiu para 1,5 milhão.

Propostas dos candidatos

Cadoca (PSC)
– acabar com o gargalo em Boa Viagem
– completar o eixo viário Norte – Sul
– implementar vias expressas
– transformar a Domingos Ferreira em corredor de ônibus
– repensar a Conde da Boa Vista (Corredor Leste-Oeste)

Edilson Silva (Psol)
– reabrir a discussão do plano diretor
– rever todas as concessões públicas das empresas de transporte
– ampliar o acesso de pedestres
– mudar a Conde. da Boa Vista (Leste-Oeste)
– implementar veículos leves sobre trilhos (VLT)

João da Costa (PT)
– mais mobilidade para o cidadão
– lutar pela aprovação do atual plano diretor revisado
– criar centro metropolitano na zona sul
– priorizar o transporte coletivo
– integração intermodal: ônibus, metrô, bicicleta, particular, taxi etc.

Kátia Telles (PSTU)
– passe livre para estudantes e desempregados
– redução no valor das passagens de ônibus
– nenhuma repressão contra ambulantes
– estatizar os transportes coletivos
– abrir as contas das empresas de ônibus e da EMTU

Mendonça Filho (DEM)
– novo plano de circulação para o centro
– avaliação emergencial da Conde da Boa Vista (Leste-Oeste)
– rever modelo concentrador de terminais de ônibus
– prioridade para pedestres, ciclovias e metrô
– adequação para acessibilidade em calçadas e vias

Raul Henry (PMDB)
– transporte coletivo com mais qualidade
– repensar a Via Mangue
– repensar fluxo na Domingos Ferreira
– corrigir falhas técnicas na Conde da Boa Vista (Leste-Oeste)
– investir em malha de ciclovias

Roberto Numeriano (PCB)

– rever as concessões públicas das empresas de transporte
– integração com outros municípios para resolver o trânsito
– ouvir sempre a população antes de qualquer mudança
– ampliar linhas do metrô
– incentivar uso de transporte coletivo em vez de carros

Sugestões de técnicos e especialistas

A curto prazo:
– revisar concessões públicas das empresas de transporte
– veículo leves sobre trilhos (VLT) em áreas não-centrais
– impedir fluxo de veículos de passeio em corredores viários
– fechar áreas do centro para veículos de passeio
– incentivar novos edifícios-garagem pela iniciativa privada
– aumentar número de vagas em edifícios residenciais
– incentivar o uso de transporte público com infra-estrutura
– calçadas planas, limpas, com acessibilidade
– integração viária com a RMR, por vias expressas

A médio prazo:
– rodízio de placas (a exemplo de São Paulo)
– pedágio nas áreas críticas (centro)
– cobrir a cidade com ciclovias