O Pan das Galinhas

Paulo Rebêlo
Revista Carta Capital
ed. 456 – 03.agosto.2007
* fotos: João Carlos Mazella

Arquibancadas cheias, sol a pino e forte expectativa, enquanto atletas e técnicos entram no circuito e fazem uma volta de reconhecimento. Os pilotos enfileiram-se no grid de largada.

O sinal ainda está vermelho e o bandeirinha chama a atenção para um distraído encostado na grade de proteção. Favoritos este ano, os atletas Thiago Pereira e Jade Barbosa parecem imunes à algazarra do lado de fora do circuito. A calma talvez seja um reflexo dos anos de treinamento em simulações e circuitos improvisados.

É dada a largada. Em duas voltas completas, pilotos engalfinham-se, batem na proteção da pista e alguns chegam a perder o capacete, mas sem colocar em risco a integridade física dos atletas. Após as duas voltas oficiais, do alto da minitorre o comentarista Galão Bueno anuncia o vencedor Thiago Pereira no masculino, com a incrível marca de 40s66. Logo em seguida vem o atleta Diego Hypólito, com 44s81. No feminino, a grande campeã é mesmo Jade Barbosa, com 51s35, seguida das atletas Adrianinha (56s97) e Maria Bonita (1min04s36).

Thiago Pereira, Diego Hypólito, Jade Barbosa, Adrianinha… seriam apenas nomes conhecidos dos Jogos Pan-Americanos, mas aqui são aves que competem na tradicional Corrida das Galinhas, em São Bento do Una, agreste de Pernambuco. São galos e galinhas com tratamento vip, alimentação diferenciada, treino disciplinado e aplausos da população que reconhece o afinco dos pilotos-treinadores. Em sua décima edição, o torneio atrai turistas e aves atletas de várias cidades.

É o caso de Orlando e sua galinha Zezinha. Tentaram competir na categoria Turista, mas na hora do grid a Zezinha não quis correr, assustou-se e deu marcha à ré, para desespero do baiano de Paulo Afonso. “Turista não sabe tanger galinha, essa aí vai direto para o forno”, sentencia Galão Bueno, vestido a caráter.

O recifense Mazinho da Buzina teve mais sorte. Com uniforme do time do Santa Cruz, também vestiu o galo de tricolor e trouxe uma imensa buzina para incentivar o atleta. O artifício é logo proibido pelos promotores da corrida, os irmãos gêmeos Marcos e Marcelo Valença, por serem contra as regras de bom tratamento aos animais.

As regras da corrida são simples. São duas voltas no galinhódromo de areia, de 60 metros de extensão, com direito a um “pinto-stop” no meio do percurso. Durante a prova, não é permitido ao piloto empurrar a galinha. Com o corpo e as mãos é preciso “tanger” o animal e torcer para que ele não dê meia-volta, fique parado ou se assuste com as demais galinhas e pilotos da competição. Entre as regras de segurança, não é permitido jogar areia ou chutar o atleta. O zelo pela saúde é compreensível. São Bento do Una é regionalmente conhecida como terra de granjas, maior exportadora de carne de frango de Pernambuco. Quando criaram a corrida, em 1993, os irmãos Valença, naturais do município, não imaginavam o sucesso.

Para participar da Corrida das Galinhas é preciso empenho e dedicação. Realizada sempre em um fim de semana de julho, na sexta-feira e sábado ocorrem os treinos classificatórios. Qualquer um pode trazer uma “máquina penosa” e tentar se qualificar. A corrida oficial, no domingo, inclui somente os nove galos e nove galinhas com o melhor tempo nos dias anteriores, em uma disputa que chega a contar com a participação de quase cem aves. O vencedor da corrida leva para casa um milhão (milho grande) e um cheque de 500 reais. Segundo e terceiro lugares faturam, respectivamente, 300 e 200 reais. O estudante Cleyton, 17 anos, ganhou em dobro. O galo Thiago Pereira e a galinha Jade Barbosa são treinados por ele.

No domingo, o galinhódromo também abriga várias competições paralelas para fazer a cabeça de turistas e curiosos, chamados a participar e a interagir. A corrida para turistas é feita uma por uma em sistema de cronometragem do melhor tempo individual. Quem não tiver atleta próprio, pode alugar uma galinha no estande “rent a chicken” ao lado do galinhódromo. A premiação das provas amadoras inclui dinheiro (de 5 a 50 reais) e brindes. Sempre em paródia com a Fórmula 1, este ano a piada já estava pronta: os Jogos Pan-Americanos. Com direito a medalhas de ouro, prata e bronze na hora do pódio, além de cartazes em vários idiomas espalhados pela cidade.

Nesta edição, as provas para turistas tiveram de ser reduzidas na programação oficial. Galão Bueno avisa lá da minitorre: a equipe da Rede Globo pediu para antecipar porque, supostamente, o Fantástico queria uma reportagem e precisava editar o material com antecedência. “A Globo muda até horário de Copa do Mundo e não vai mudar a corrida das galinhas? Que nada, hoje ninguém almoça e a gente termina antes”, brinca Marcos Valença. A reportagem não saiu.

Entre os amadores, ninguém estava mais vibrante do que a garota Hevellyn, de 4 anos, na fila para participar da prova “Penas, Plumas e Paetês”, cujo objetivo é mostrar a galinha mais bonita. Hevellyn cria Bebel (ela é fã da personagem da novela) desde quando ainda era um pinto e fica preocupada com a demora. Debaixo do sol quente, a pequena Bebel toma água na mão da pequena Hevellyn, treme-se, reclama do calor por causa da fantasia, mas no final leva a merecida medalha de ouro para casa e os aplausos da torcida. Ruim para Dona Helena, tricampeã da mesma competição com sua Princesinha, hoje fantasiada de Carmen Miranda e desapontamento com o segundo lugar.

No torneio “Coma seu Frango”, os competidores se organizam em mesas e cadeiras de plástico no centro do galinhódromo e ganha quem conseguir comer dois frangos inteiros em até 15 minutos, com direito a duas garrafinhas de água mineral. Quando o tempo acaba, os jurados contabilizam os ossinhos e anunciam o vencedor, nem sempre em condições físicas de agradecer. O campeão-comilão foi o franzino Rogério Silva de Souza. Tricampeão, aliás. O segredo, diz ele, “é ter calma e muita fome”. Pedreiro, apesar de não ter contato direto com a vida de granja, Rogério entende de aves. É também tricampeão da prova “O Canto do Galo”, na qual competidores tentam mostrar no microfone quem melhor consegue imitar a cantoria galinácea.

Ao custo médio de 150 mil reais, a 11ª Corrida das Galinhas, no ano que vem, já tem data certa em São Bento do Una: o último fim de semana de julho. Tempo suficiente para o leitor colocar a galinha na academia de ginástica e começar o treinamento.