Direito e Direitos

Paulo Rebêlo
Revista Backstage – ed. junho 2007

Após diversos casos relatados e estudados no exterior, enfim é a vez de o Brasil entrar em evidência mundial com um caso sobre direitos autorais de músicas que, com o tempo, entram para a seara de domínio público. E com isso, surge toda uma briga de egos e finanças envolvendo incontáveis advogados e um punhado de familiares do artista em questão. No caso de hoje, estamos falando de Noel Rosa, cuja produção artística individual está prevista para entrar em domínio público em 01 de janeiro de 2008.

Não é o primeiro caso, mas possivelmente ficará bastante em evidência porque Noel Rosa é um daqueles artistas que possivelmente é mais conhecido (nos dias de hoje) lá fora do que no Brasil, mormente as gerações de hoje talvez nem saberem quem foi. Principalmente na Europa e em alguns países asiáticos, onde a música brasileira é tratada como iguaria, as composições de Noel Rosa estão em todo lugar, sempre cantadas por diferentes músicos estrangeiros e nacionais.

Com as canções entrando em domínio público, não será mais preciso pagar os direitos autorais para reproduzi-las ou usá-las comercialmente. Pela lei brasileira 9.610 de 1998, as obras entram em domínio público após 70 anos da morte do compositor. Noel Rosa morreu de tuberculose em 1937. Suas canções com parceiros continuam protegidas pelo copyright, porque pela lei vale apenas a morte do último compositor na parceria.

Pela lei, quem também pode garantir os direitos autorais é o cônjugue de um artista. Acontece que a viúva de Noel Rosa morreu em agosto de 2001. Duas sobrinhas surgiram para fazer o inventário do compositor e garantiram em juízo os direitos autorais, mas que agora com o prazo expirado de 70 anos da morte, cai em domínio público.
Como consta em reportagem do jornal O Globo no mês passado, as duas sobrinhas estão em campo para garantir a continuidade do recebimento dos direitos autorais mesmo a partir de 2008, quando o prazo expira. Juristas e advogados, a partir de agora, vão começar a ser chamados pela imprensa para opinar sobre o assunto e, evidentemente, as opiniões serão divergentes.

A Lei de Direitos Autorais

A lei brasileira de direitos autorais não é diferente de tantas outras leis internacionais, tendo como base principal as leis de copyright dos Estados Unidos. Ou seja, não é nada condizente, muito pelo contrário.

Sempre é estipulado um prazo de anos após a morte dos criadores intelectuais de obras para que, findo o prazo, as obras sejam colocadas em domínio público. É um jeito de beneficiar bibliotecas, escolas, pesquisadores e tantas outras vertentes que não podem arcar com os altos custos e burocracia que geralmente envolve direitos autorais.

Acontece que o prazo é comumente tido como longo demais. Estudiosos e pesquisadores sempre se perguntam: após tantos anos da morte do artista, será que todos os parentes de primeiro grau (esposa, filhos) não se beneficiaram o suficiente? Outra corrente de análise pensa diferente, de que o prazo deveria ser ainda maior para que outras gerações de familiares possam guardar por mais tempo os direitos.

A atual lei 9.610 que rege a questão no Brasil, na verdade, já é uma revisão da lei de 1973 que estipulava em 60 anos o prazo. Em 1998, sob pressão de vários setores da indústria e seguindo os moldes americanos, o governo brasileiro resolveu aumentar em dez anos o prazo e, hoje, é a lei que vale para todos. Ou, pelo menos, deveria valer. É um processo aplicável para qualquer obra intelectual: filmes, livros, músicas etc.

Em filmes, por exemplo, além daquelas produções jurássicas que fazem parte do acervo de bibliotecas, há uma série de produções relativamente recentes que estão em domínio público por outros fatores, como a falta de renovação dos direitos autorais na época- hoje não é mais preciso renovar, é automático. Há várias obras do cinema dos anos 60 e 70 também disponíveis sem copyright, com atores consagrados da “Sessão da Tarde”. Filmes em domínio público com atores como Sonny Chiba, Richard Chamberlain, Lee Van Cleef e Chuck Norris, por exemplo, estão disponíveis até na internet sem ilegalidade alguma.

Precedentes perigosos

Nos Estados Unidos, onde o copyright étratado com bem mais seriedade do que aqui, novas brigas judiciais surgem a cada dia. Em determinados casos, a lei americana permite a guarda dos direitos autorais por 95 anos, alguns casos em até 120 anos, mas a média também éde 70 anos. No entanto, é sempre possível achar casos, principalmente com corporações famosas como a Disney, que conseguem uma salvaguarda judicial para não permitir que as obras caiam em domínio público.

No caso de Noel Rosa, os advogados da família argumentam que não se pode aplicar uma lei de 1998 para composições do início do século. Ou seja, não se deveria aplicar a realidade de hoje para a realidade de ontem. Éclaro que diversos juristas e especialistas não concordam com a argumentação, mas o veredicto final é impossível de prever.

A grande questão, ainda não levantada pela imprensa, é que se a Justiça considerar válida essa argumentação, abre-se um precedente perigoso no Brasil. Afinal, partindo dessa premissa, poderemos invocá-la para tudo sob o argumento de que a lei de hoje não pode julgar algo sob a esfera temporal de ontem. E isso incluiria tudo o que você entende por direitos autorais, proteção ao artista e várias outros alicerces que a indústria fonográfica se apóia, por exemplo. Neste caso, alguém poderia argumentar que a lei de 1998 só deve ser aplicada para trabalhos a partir daquele ano. É impraticável. E quando os interesses de peixes grandes estão no meio, dificilmente sobra alguma coisa para as sardinhas.