Futebol, o ex-sonho de toda criança

Paulo Rebêlo // junho.2006

A Copa do Mundo sequer chegou à metade e muita gente não agüenta mais ouvir falar no assunto, categoria a qual me incluo. Tudo é Copa, inclusive na copa – das empresas e das autarquias. De fanático que fui em anos pregressos, a ponto de viajar o Nordeste inteiro apenas para assistir a uma partida cujo resultado nem importava na competição, tornei-me um torcedor sazonal interessado apenas nos resultados da segunda-feira de manhã, pelos jornais. O futebol não perdeu a graça, apenas perdeu o romantismo inerente à arte boleira.


Hoje, um espirro do Ronaldinho Gaúcho é suficiente para tremer a Bolsa de Valores em Hong Kong. Levar um chifre de Ronaldo Balofo rende milhões de dólares na passarela e nos holofotes. A chuteira de grife, o boné com o merchandising, tudo joga contra a aura romântica do futebol-arte que conquistou o brasileiro pelas pernas tortas de Garrincha, as faltas perfeitas de Zico, os gols de Pelé, a estratégia de Ataíde e a defesa de Biro Biro.

Como toda criança relativamente normal (até que me provem o contrário), eu também quis ser jogador de futebol. Além de várias outras profissões – ginecologista era uma delas – poucos sonhos infantis superam o de ser um craque nos gramados. Acontece que o jogador de hoje não é mais um amante da bola, é um funcionário da bola. E um capacho do merchandising.

BIRITA E QUITUTES –

A proibição irrestrita de álcool para jogadores de futebol não tem sentido. Bebendo, o rendimento pode até cair, a velocidade diminuir e o fôlego estressar, mas e daí? O que vale são as quatro linhas e a bola na rede. Ninguém tira da minha cabeça que aquele chilique do Ronaldo Balofo na Copa de 98 foi, pura e simplesmente, falta de mé. O pessoal pensa que é mentira, mas abstinência gera tremedeira, sai espuma pelos lados da boca, é tudo verdade.

Depois de 90 minutos correndo quilômetros e sendo surrado por 11 machos feios e fedorentos, o cidadão não pode sequer tomar uma cerva geladinha? É melhor pular do World Trade Center, se ainda existisse. Oras, se querem proibir bebida alcoólica, vá lá, mas ao menos deixem os coitados se alimentarem direito. Ocorre que comida também não pode. Jogador de futebol é que nem dondoca, precisa seguir uma rígida dieta alimentar.

A última notícia da Copa na Alemanha é que a nutricionista da Seleção proibiu os jogadores de comer salsicha, joelho de porco, costela, chucrute e cerveja. Ou seja, tudo que presta na gastronomia alemã, os caras vão sentir só o cheiro. Imaginem a dieta dos coitados, deve ser formada por barra de cereais, queijo magro, iogurte e pó de gergelim. Picanha, só magra. O veto gastronômico vale, inclusive, para os dias de folga.

O pior não chega a ser a nutricionista proibir – afinal, alguém está pagando o salário dela para isso mesmo. O pior é o jogador ser obrigado a manter uma posição politicamente correta e, durante as entrevistas, com aquela cara de quem adora uma rabada, um toucinho e um chambaril, dizer ao público “que aprova os vetos alimentares”.

Aquelas alemãs loiras de dois metros de altura, com um salsichão cheio de mostarda escorrendo pela boca, olhando para o jogador brasileiro e dizendo: ‘hmmmm, adoro salsichas…’ enquanto o zé mané segura um copo de iogurte e precisa voltar às 22h para a concentração, para dormir no meio de uma manada. Desse jeito, qualquer um tem chilique e crise epiléptica.

Uma curiosidade: em 1994, a nutricionista do Brasil abandonou o cargo depois de tentar, por várias vezes e sem sucesso, proibir a feijoada durante a estadia da Seleção nos Estados Unidos. Houve uma crise e a cidadã abandonou o pepino, antes mesmo de embarcar para o início da Copa. O Brasil deve ter voltado com uma baita disenteria depois de tanta feijoada, mas trouxe o título à tiracolo.

O cerne da questão é que agora jogador não pode transar, não pode dormir tarde, não pode jogar pingue-pongue para não correr risco de lesão, não pode comer um inocente chambaril, não pode xingar a mãe de ninguém, não pode tomar aquela cervejinha estupidamente gelada antes do almoço e não pode ter umas três mulheres ao mesmo tempo para fazer gols de placa. Eu pergunto: será que ainda tem criança no mundo que quer ser jogador de futebol?

Por essas e outras, não é surpresa que o cara termine virando gay. Como o machismo ainda é uma constante no futebol mundial, inventaram o tal do metrossexual e adivinha quem é o ícone? O David Beckham, claro. Agora tá explicado, entendi tudo.