Tubarões do Recife

Paulo Rebêlo // agosto.2004

Tomara que não mostrem jornais pernambucanos ao Steven Spielberg. Quando ele descobrir que tem tubarão comendo gente por aqui, com a água na altura do umbigo, não teremos mais sossego. Questão de otimização econômica. Os figurantes daqui não cobram cachê. Ficam sem pernas, sem braços, e continuam sem processar ninguém – como se tubarão esfomeado a dois metros da praia fosse natural. Talvez seja, pois sempre aparece gente para dizer que é vontade dos céus.


Recife é quase uma Hollywood. Quando chove um pouco acima da média, vira filme-catástrofe tipo O Dia Depois de Amanhã. Obra dos céus, literalmente. Uma verdadeira obrada, eu diria.

Com a nossa exímia segurança urbana, é fácil fazer filme de bangue-bangue apenas por um punhado de dólares – com figurantes que também não cobram cachê para morrer de bala em plena luz do dia. As câmeras até já foram instaladas para ajudar na produção. Falta apenas funcionarem de verdade.

E como desgraça pouca é bobagem, agora nos tiram a única opção de lazer gratuito disponível: a praia. Sim, porque parques e locais públicos ninguém tem mais coragem de ir, faz tempo.

>> PROGRAMA DE FAMÍLIA

A praia tornou-se um lugar insólito até para quem não gosta de tomar banho de mar, feito eu. Sim, porque mesmo que você não coloque os pés dentro d’água, alguém vai colocar.

Imagine o desespero de presenciar um ataque de tubarão, ao vivo. Você não sabe se entra n’água para ajudar – e também virar petisco – ou se corre procurando um salva-vidas, que também não vai poder fazer nada.

Ao menos agora tenho um excelente argumento para continuar adiando o meu retorno às caminhadas na praia, conservando assim meu buchão fofo e peludo. E meu bronze de escritório.

Outro dia estavam distribuindo folhetos pela cidade e colocando placas na orla, assim, para mostrar os trechos não-recomendados ao banho por causa de tubarões. As placas se localizam mais próximas de quem passa na avenida (de carro) do que da praia propriamente dita.

De acordo com o folheto, o banho de mar não é seguro em praticamente a praia inteira. São 16 km na faixa vermelha, do Pina ao Paiva, com um pequeno trecho supostamente seguro no Acaiaca. Para quem não mora aqui e não conhece os nomes, a gente traduz: entre os 16 km de orla, talvez haja 800 metros onde as autoridades garantem o banho com risco zero. Dia de domingo deve ser uma beleza.

Sinceramente, perto da praia, risco zero nem piscina de hotel. Quem garante que os nossos tubarões não vão aprender técnicas ninja e começar a pular arrecifes, fazer acrobacias e andar na areia? O Free Willy, que nem tubarão era, só faltava falar. Os tubarões de Steven Spielberg quebravam casco de navio.

Do jeito que os donos do poder investem cada vez mais na produção dos nossos reality shows, não duvide de uma nova safra de tubarões-ninja. Lembre-se: eles já estão petiscando com a água na altura do umbigo, é tudo faixa-preta. Daqui a pouco vão chegar com a água na altura da canela.

Certamente, também será obra dos céus ou da natureza. Deus ninguém pode processar, não é?

>> O FUTURO É AQUI

É impressionante como ainda não apareceram ONGs e eco-chatos para defender os tubarões. Falta pouco. Afinal, os coitadinhos estão famintos. Se demorar muito, alguma ONG vai dizer que a culpa é dos banhistas que entram no mar sem levar um pedaço de bife. Espero que tubarões gostem de sardinha enlatada, porque bife aqui em casa não tem nem para mim.

Mais um pouco e chega outra ONG para dizer que praia é coisa do passado. Em pleno século XXI, com a ciência estudando clonagem e viagens no tempo, por que você ainda quer tomar banho de mar com a família? Mar, essa coisa retrógrada, poluída, salgada.

O negócio agora é montar praia artificial, que nem a reportagem da Veja (aquela revista ética e socialmente engajada) mostrou com os piscinões europeus. Fecham uma área da cidade, jogam toneladas de areia, montam barracas de bebidas, plantam umas palmeiras e pronto. Vira uma praia com validade até o final do verão. É a versão estilizada do Piscinão de Ramos. Dúvida crucial: na Europa tem espetinho?

Já que o Brasil é país do futuro, provavelmente do seu futuro, porque do meu não vai dar mais tempo, então vamos todos nos adaptar ao novo conceito de praia: é a praia que não é praia, mas é praia.

Os eco-chatos vão fazer manifestações com bandeiras e faixas, nos encorajando a visitar os piscinões em algum bairro nobre da cidade. Tudo limpo e seguro. Ao menos até o primeiro arrastão do futuro, que também não será um arrastão, mas será um arrastão.

Não vai demorar e o país do futuro terá praias do futuro com área VIP: ar-condicionado para a mesma galera do bem que hoje patrocina a produção dos filmes em que somos figurantes. Assim, eles poderão ir à praia sem calor e sem se melar de areia. E sem perder o voto, é claro. Porque por aqui é assim: nóis sofre mas nóis goza.

Não vai ter tubarão, mas certamente as baleias continuarão à solta. Ora, se é para mudar, então é melhor proibir baleia de ir à praia. Principalmente baleias que insistem em usar biquíni. É uma agressão à natureza. Em especial à natureza humana.

>> APOLITICAMENTE CORRETO

Dois tubarões recifenses conversavam, no intervalo do almoço de rotina na praia de Boa Viagem:
– Ei, você viu aquela galega bunduda que passou?
– Vi.
– Tô comendo