Música grátis, onde?

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
janeiro 2003 – coluna de estréia

Escrever sobre música e internet sempre foi um desafio. Agora, mais do que nunca. Desde 1998, quando a RIAA (Recording Industry Association of America – associação das grandes gravadoras dos EUA) começou a intensificar os processos contra sites, acessórios e programas que ajudassem na divulgação do MP3, foi ficando claro que os formatos de música digital começavam a enfrentar uma longa e penosa batalha. Tornou-se difícil achar um assunto novo e relevante. As notícias são sempre iguais. As resoluções, idem. Napster falido, indústria fonográfica, filtros, pirataria, direito autoral, royalties… a mesmice de sempre.

Depois que a Justiça decretou a ilegalidade do Napster, e por conseguinte a filtragem ou fechamento por completo de outras iniciativas como o Audiogalaxy, a situação da música digital mudou drasticamente. Sendo nostálgico, quase lírico, acabou o romantismo de outrora. A ausência de donos e reguladores é passado. Mais ou menos como é passado aquela antiga namorada que você imaginou que duraria para sempre e, mesmo depois de tantos anos, talvez até casado e com filhos, você às vezes ainda dela se recorde.

Aos poucos, uma novo quadro se firma, regulado e cheio de donos. E os reguladores são os mesmos mega-complexos de sempre, os mesmos grupos. America Online, Yahoo, Microsoft e outras gigantes, operam a todo vapor em busca de um modelo comercial viável para vender faixas musicais por download ou streaming. Não é novidade. Será novidade quando a moda pegar, algo que ainda não aconteceu.

Mesmo hoje, ainda é relativamente fácil achar músicas de graça a partir de softwares alternativos, como Gnutella, Kazaa, Edonkey e outros. Em breve, pode não ser mais. As opiniões divergem: uma facção de músicos e artistas acredita piamente que esse tipo de “divulgação” é maléfico, diabólico; enquanto outro grupo acredita que não é necessariamente assim, que o buraco é mais embaixo.

As iniciativas para vender músicas por download, das próprias gravadoras, não podem se tornar um primeiro passo para abocanhar e reter, justamente, o que elas antes demonizavam. E continuarão demonizando até o momento em que exerçam pleno controle. Lembram do Betamax vs. VHS, na década de 80? Pois é.

Ainda há muito para se analisar e debater. O triste é quando vemos que, na maioria das vezes, os músicos estão sendo deixado de fora da mesa de negociações nesse sentido. A evangelização pseudo-ética de que o MP3 prejudica as vendas, os artistas, as lojas, e ainda por cima causa desemprego, hoje se sabe não passar de uma história até comovente, contudo, longe da realidade. Com o perdão da polêmica, não se assuste quando alguém disser que muitos artistas que levantam a bandeira de que o MP3 é prejudicial à sobrevivência deles, sequer sabem o que dizem.

A imprensa em geral, por motivos que não cabe a nós analisar neste espaço, comumente esquece de esclarecer duas vertentes distintas: o que prejudica as vendas de CDs é a pirataria dos discos, vendidos a preço de banana no meio da rua, sob a vista grossa das autoridades e da própria sociedade civil. Não é uma inovação tecnológica ou um aparato digital que faz o músico vender menos; muito pelo contrário. Esta distinção entre música digital (MP3 e outros formatos) e pirataria grossa nem sempre é colocada em questão. Quase sempre, escolhem o caminho mais fácil: tentam nos fazer entender que é tudo farinha do mesmo saco, quando na verdade não é.

A pirataria movimenta US$ 450 milhões por ano, somente no Brasil. Para a Associação Brasileira dos Produtores de Disco, ABPD, de cada três CDs vendidos no país, um é pirata. Não obstante a pirataria (e o MP3), o total de vendas cresceu 6% no país em 2001 e outros tantos em 2002. Outro problema: segundo a Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (APDIF), nos últimos dois anos apenas nove pessoas foram julgadas e condenadas por pirataria do tipo; dentre cerca de duas mil que foram detidas com material pirata.

Então a pirataria é a fonte de todo o mal? Não necessariamente. Oferta não existe sem demanda. Você prefere comprar um CD original por R$ 30 ou um “genérico” por R$ 5? Provavelmente, preferimos comprar um produto original.
O problema é que, às vezes, nosso salário tem vontade própria e não nos deixa com muito poder de escolha. Retornaremos a este assunto em breve.

CERTO OU ERRADO – Alguns acreditam ser equivocada a idéia de defender os formatos digitais, mesmo sendo contra a pirataria de CDs. Talvez o correto seja mesmo a total e completa regulamentação da internet por parte da indústria e das gigantes industriais, a exemplo do que ocorre em outros setores.

Eu e este meu péssimo hábito de nostalgia. Da forma como não esqueço aquela namorada do início deste texto, mesmo depois de tantos anos, também não esqueço quando era possível baixar uma música de uma banda bacana sem estar, necessariamente, cometendo um ato ilegal e quiçá sendo monitorado pelo provedor de acesso.

Por outro lado, não tenho nenhuma saudade da época em que, se eu gostasse de apenas uma música em determinado CD, era obrigado a comprar o álbum inteiro, porque a única música que eu conhecia era aquela que tocava – o dia inteiro – nas rádios. Acredito que não sou minoria.

O debate não permite descanso. É tão possível restringir e monitorar a troca de MP3 pela internet como é possível restringir e monitorar o “empréstimo” de CDs e fitas K7, as cópias domésticas de VHS, a permuta de programas e jogos para computador. A busca pelo “proibido” da internet pode, inclusive, ser comparada à busca pelo “proibido” da vida real, tão fascinante e ameaçador. Caso queiram utilizar o mesmo jargão tecnológico, a busca pelo underground.

Apesar de o cenário parecer um pouco catastrófico quando comparado com anos anteriores, há muitas iniciativas interessantes de músicos, artistas e entusiastas, assim como há novas alternativas de uso para o MP3 na internet. Nas próximas colunas, tentaremos analisar fatores técnicos e políticos sobre este assunto que, ao que tudo indica, ainda vai render muitos debates. Escreva, opine e sugira.