Mudança, filhos e futricos

Paulo Rebêlo // agosto.2003

O trabalho que dá para empacotar, arrumar e transportar até a nova casa, ciente de que depois será preciso desempacotar e arrumar tudo novamente, faz pensar: por que não guardamos nossas coisas em caixas? Seria tão mais prático.

Era só escrever: essa aqui é a roupa, aquela ali é a louça de luxo (pratos e copos descartáveis) e a caixa grande são os bagulhos gerais. O melhor de tudo é que é incrível como caixas de papelão se adaptam em qualquer ambiente. Deve ter algo a ver com o feng shui.

O pior é descobrir que, em um apartamento minúsculo como aquele cafofo antigão, cabia três vezes mais bagulhos do que sempre imaginei. E depois de tanta papelada e trecos jogados fora, vem a dúvida: por que um lugar maior? Bendito financiamento.

Em ocasiões assim, nunca se deve pedir conselho aos pais. O pai diz: meu filho, melhor resolver isso agora enquanto você é solteiro e ainda consegue financiar alguma coisa… e tem mais, um dia você pode casar e vai precisar de um quarto extra para seus filhos. Assim mesmo, filhos, no plural.

A mãe completa: no dia que você casar (ela nunca usa o se), lembre-se que toda mulher ocupa muito espaço com roupas, sapatos e armários…. Bom, é ela quem está dizendo. É engraçado como o sonho (acho) de quase todos os pais é ver os filhos casados. Será que ficarei assim se (se, se, se) inventar de ter filhos um dia?

Talvez fique mesmo, principalmente se a futura esposa do meu futuro filho tenha uma futura irmã com taras por um nem-tão-futuro-assim coroa careca e barrigudinho.

A BIROSCA DO VOVÔ –

Só em não depender mais de aluguel, dos chiliques da dona do antigo cafofo, e de todos aqueles problemas de vazamento, já começo a pensar na possibilidade de ter netos, mas sem precisar ter filhos. Será que dá? Só quero os netos.

Então imagino meus futuros netinhos perguntando: cadê o vovô? Cadê o vovô?

O diálogo seguinte seria algo do tipo:

– Seu avô está trabalhando, só chega em casa às duas da madrugada e tem que acordar às seis para voltar ao trabalho, não azucrinem o ancião.

– Mas o vovô não tem 84 anos? Não deveria estar aposentado ou enterrado? Por que só faz trabalhar?

– Deveria… mas o vovô não pode se aposentar ainda, muito menos morrer. Foi inventar de financiar apartamento quando era jornalista e até hoje tem que trabalhar 16 horas por dia para saldar as dívidas com o banco e pagar os juros. Então ele gasta metade do que ganha com os juros e a outra metade no barzinho da esquina, aquele que a dona é viúva.

– Ué, e quem paga todos aqueles remédios para o coração e para o fígado, que o vô toma todo dia?

– Quem paga é o papai aqui, porque se o velho morrer é da gente que o banco vem cobrar!!!

– E por que aquela viúva do bar de vez em quando dá um dinheirinho para ele, hein???

– Olha, está na hora de dormir, ok? Hoje não precisa esperar seu avô, ele disse que só chega para o café da manhã.E então, o futuro vô ranzinza, que nunca foi bom em matemática, pega de novo o papel e a caneta e tenta calcular quantas horas diárias de trabalho seriam necessárias para liquidar o financiamento, assim, para ver se consegue curtir os netos por volta dos setenta ou coisa que o valha.